Os smartphones oferecem a seus usuários uma série de ferramentas para auxiliá-los na rotina diária, algo possível graças à sua tecnologia avançada. Agora, cientistas americanos mostram que esse aparelho eletrônico popular e multiuso também pode ajudar a detectar a covid-19 em menos tempo do que os exames de laboratório. No método de análise apurada, desenvolvido por pesquisadores dos Estados Unidos, os celulares inteligentes conseguem identificar, por meio de sua câmera fotográfica, a presença do vírus Sars-CoV-2 em amostras de saliva colocadas em lâmina de microscópio. O trabalho apresentado na última edição da revista Nature Protocols também pode ser adaptado para diagnosticar outras enfermidades.
“Tenho alguns amigos que tiveram a covid-19 e ficaram super chateados porque os resultados de PCR demoravam seis ou sete dias para ficar pronto, além dos que receberam falsos negativos de análises rápidas”, declarou, em um comunicado à imprensa, Katie Sosnowski, da Universidade do Arizona, uma das autoras do trabalho, encabeçado por uma equipe da Universidade da Califórnia.
Para acabar com esse tipo de frustração, a cientista e seus colegas adaptaram uma tecnologia criada pelo grupo, em 2019, com o objetivo de detectar outro tipo de patógeno, o norovírus, famoso por se propagar em navios de cruzeiro. “Os métodos tradicionais de identificação desse vírus costumam ser caros, envolvem um grande conjunto de equipamentos de laboratório ou requerem conhecimento científico. Já o nosso é mais barato pois utiliza como base para sua análise um smartphone. Quando nos deparamos com a pandemia, resolvemos reaproveitá-lo para a covid-19”, detalharam os cientistas no artigo.
Na nova técnica, os pesquisadores utilizam anticorpos com pequenas esferas fluorescentes que são adicionados à amostra de saliva coletada. Essas moléculas se ligam às partículas do patógeno e ativam pontos coloridos. Por meio da câmera do celular, são visualizadas as cores que denunciam a presença ou não do vírus.
“O telefone usado é simples. Nós apenas o acoplamos ao microscópio para facilitar a análise com o sistema computacional que criamos. Todo o processo leva cerca de 10 minutos, um tempo muito curto”, destacou Katie Sosnowski. “Outra vantagem é que o material utilizado é bem mais barato do que o empregado em outros testes. Todos os componentes custam cerca de US$ 45. É muito gratificante trabalhar em uma plataforma de detecção que pode obter resultados rápidos e precisos, além de ser acessível”, acrescentou.
Os desenvolvedores da tecnologia pretendem realizar mais testes dentro da universidade para avaliar se os alunos conseguem usar o método com facilidade. “É um sistema muito simples, em que não é necessária uma formação médica e técnica, o que facilitaria bastante a sua inclusão no mercado e aumentaria sua aceitação”, ressaltou Sosnowski.
No artigo publicado na Nature Protocols, os pesquisadores assinalaram que pretendem aprimorar a tecnologia. Para isso, planejam realizar análises comparativas com testes de anticorpos e de PCR usados, atualmente, para diagnosticar a covid-19. A ideia é aumentar a velocidade e precisão da técnica.
Os cientistas também têm como objetivo futuro explorar mais a inteligência artificial, com o uso de um método chamado limiar adaptativo, pelo qual é possível definir, com rigor, a quantidade do patógeno que representa perigo ao organismo humano. “Esse é um tipo de dado que pode nos ajudar a gerar resultados ainda mais precisos, e sem aumentar o tempo em que a análise é feita”, explicou Jeong-Yeol Yoon, professor da Universidade da Califórnia e principal autor do estudo.
“Ressaltamos que essa tecnologia pode ser adaptada para a identificação de outros agentes infecciosos e também tem potencial para ser usada como uma ferramenta de pesquisa, principalmente, por quem ainda está iniciando uma jornada como cientista”, complementou Yoon.
Na avaliação de Anthony José da Cunha Carneiro Lins, professor da Universidade Católica de Pernambuco e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IIEE), o teste para a covid-19 desenvolvido pelos americanos apresenta uma série de características importantes e essenciais para uso em larga escala. “Os pesquisadores usam a saliva como objeto de estudo, material mais fácil de ser coletado do que o retirado do nariz”, observou.
Ele enfatizou ainda o fato de o exame ser realizado com o auxílio de um celular, além da celeridade de todo o processo. “Essas são grandes vantagens, pois fazem desse teste algo acessível e ideal para ser adotado em regiões afastadas, que não contam com laboratórios avançados”, opinou o especialista.
Para Lins, o método americano tem potencial para evoluir, já que a estrutura dos smartphones permite a realização de análises ainda mais complexas. “Os celulares que usamos, hoje em dia, contêm um sistema computacional avançado, equivalente ao de notebooks. Com um método de processamento eficiente, existe essa possibilidade de se criar aplicativos diversos e aumentar a capacidade de análise química”, frisou.
“É muito bacana pensar que conseguiremos avaliar estruturas tão complexas com um aparelho que carregamos dentro do nosso bolso, e que essa tecnologia pode ser adaptada constantemente, de acordo com o que precisamos. Nesse momento, os olhos do mundo estão voltados para o novo coronavírus, porém, no futuro, podemos dar diferentes perspectivas para esse tipo de análise. É um mundo de possibilidades”, concluiu o professor.
Palavra de especialista
Ferramenta popular
“Esse trabalho busca conectar um público geral à área científica ao mostrar como fazer uma análise laboratorial usando um telefone celular. O método torna possível que qualquer pessoa faça pesquisas pequenas e simples por conta própria. Esse microscópio feito no celular é uma iniciativa boa, que pode ser aplicada em muitas áreas nas universidades, por alunos e professores, e se popularizar ainda mais futuramente. É uma tecnologia que permite estudar vários líquidos, como, por exemplo, água da torneira, sucos, frutas, produtos alimentícios (frescos e vencidos). Essa é uma tendência geral: a criação de dispositivos simples, disponíveis para todos e ainda com a possibilidades de compartilhar os dados recebidos para terceiros” Vladimir Zaitsev, professor do Departamento de Química da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).